Costumo não responder às reclamações dirigidas a mim. Normalmente são usadas palavras carregadas de ódio e de ofensas pessoais.

Dona Eva foi muito clara e elegante ao falar de seu filho e de todo sofrimento envolvido.

Entendo toda situação que se passou. Coloquei-me em seu lugar e vivi a sua aflição. Somos ambas mães, ambas lutamos por nossos filhos. Dona Eva com certeza, mais que eu: ela é mãe por escolha de seu sobrinho. Minha admiração e respeito.

Mas vou falar do ocorrido.

Há vários meses estamos com uma superdemanda no Pronto Atendimento. Como solução imediata, optamos por encaminhar para os Postos de Saúde os pacientes que originalmente deveriam estar sendo atendidos nas Unidades Básicas. Assim, os casos que não precisam ser atendidos no PA seriam atendidos na Unidade Básica de Saúde. Evitamos assim a exaustão dos profissionais e piora de atendimento.

Neste dia específico, o outro médico teve um acidente, ficando impossibilitado de trabalhar. Não conseguimos substituto e fiquei sozinha.

Um único médico para atender mais de 150 pacientes/dia, quando por lei, nós médicos devemos atender até 40 pacientes/dia.  Isto é também trabalho escravo. Pacientes correm risco devido à exaustão profissional.

O seu filho Dona Eva, não era urgência, apesar de sete dias sem evacuar.

O Posto de Saúde deveria atendê-lo ou encaminhá-lo para outro Posto.

Por que a senhora critica a mim, que fico à disposição da população até 72 horas semanais, sendo 60 horas no Pronto Atendimento?

 Por que a senhora minimizou o problema de seu filho, deixando para outros profissionais não médicos resolverem? E se tivesse complicado? Seria também minha responsabilidade?

O que a senhora e vários de seus conterrâneos não sabem é que enquanto encaminhava seus filhos para o PSF, atendia simultaneamente uma senhora em grande risco de vida, com fratura de crânio, ainda hoje lutando por sua vida no Hospital João XXIII.

Naquele mesmo dia, sozinha, realizei 10 internações. Doei-me completamente aos pacientes.

Diferente da senhora Dona Eva, eu sou uma péssima mãe, pois convivo com meus filhos apenas nos fins de semana que não estou trabalhando.

Para tornar-me a boa médica que sei que sou, realmente querida por muitos, abri mão de minha vida pessoal, do crescimento e até do sofrimento de meus filhos. Por opção e amor.

Passei humilhações, sendo chamada de covarde por vereadores na tribuna, de suja, de escrota e até de preguiçosa, e outras já esquecidas.

Nós profissionais da saúde, somos responsabilizados por todas as mazelas do caos do SUS e problemas sociais.

Enquanto deveríamos estar lutando por uma saúde mais digna, com melhores resultados, ofendemos exatamente àqueles que nos acolhem numa crise e que salvam as vidas de tantos filhos.

Vilia Jurgilas

Mãe e Médica